Brasília: A Arquitetura da Política Brasileira
Imaginemos a euforia em 1960, quando Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília. A sensação de ter construído a nova capital do Brasil foi sem dúvidas contagiante. A monumentalidade das ideias sustentadas por tanto concreto e aço soavam como combustível para a esperança de um Brasil melhor. Porém, os rumores de modernização e toda aquela movimentação não davam a entender, não fariam nenhum profeta prever, que aquele complexo urbano erguido ali, no meio do nada, na verdade iria trabalhar para desestimular o progresso e causar desordem.
Talvez os críticos da arquitetura é que pudessem enxergar as semelhanças assustadoras entre a mentalidade política e o traçado urbano. Talvez houvessem algumas pistas do que estava por vir. Mas o vislumbre falou mais alto e encheu o peito dos brasileiros de um ego estadista disfarçado de nacionalista e coberto com raspas de soberania. É que tudo era muito grandioso. E ainda é.
Como num movimento cultural, onde a onda de pensamentos se reflete em diferentes estados de manifestos artísticos, como literatura, pintura e moda, o jeito moderno de pensar o país tomou forma arquitetônica e ainda hoje, seus gritos reverberam nas oblíquas esquinas da capital: "eu sou o Estado, eu sou o Brasil!”.
O projeto de Brasília é magnífico. Não somente pela beleza precisa das curvas de Niemeyer, mas por toda a filosofia por trás daquela expressão. É como se os arquitetos e urbanistas se fundissem ao próprio pensamento, de modo que seu trabalho fosse sempre um reflexo daquela forma de ver o mundo. Dá pra sentir isso mirando o horizonte de Brasília. Uma cidade construída no meio de uma região árida era algo muito improvável.
A ambição do presidente Bossa Nova era acompanhada no meio político, de um lado pelo ânimo em vários setores e de outro pela recusa do pessoal que não queria sair do Rio de Janeiro. Olhavam com desconfiança para a nova empreitada numa área empoeirada e muitos fizeram malabarismos burocráticos para permanecer na segunda capital do Brasil. Outros tantos animados, viajaram aos montes para o Distrito Federal, vindos de todos os cantos do país carregando na mala os sonhos, esperança e uma enorme vontade de fazer acontecer.
Apesar de toda a maré contrária, o Jota Ka conseguiu um feito que àquela época já costumava ser fora do normal: construir uma cidade em três anos e meio. No Brasil. No meio do nada. E ainda garantir que muita gente compre a ideia e se mude. Definitivamente só um louco ou um visionário para crer que isso era viável.
Foi um marco na história do país. A princípio pela ousadia da iniciativa e claro pela realização de algo muito improvável. Mas existe uma contradição que não aparece nos livros de história. Primeiro, a lógica de “centro administrativo” é propícia à concentração do poder, o que por si só é um modelo estadista, por natureza corruptível e caríssimo de se manter. Depois que, apesar de ter sido construída, Brasília, turbinada pelo empenho do presidente versus o fator Brasil e sua burocracia, não serviu como modelo para as obras nas décadas seguintes. A Copa de 2014 por exemplo, nos deixou como legado enormes elefantes brancos. Esse contraste de uma forma ou de outra nos trouxe até aqui.
Segundo a banca avaliadora do concurso que elegeu o melhor projeto para a cidade, a ideia de Lúcio Costa agradou porque diferente das outras propostas, não só parecia uma cidade, mas representava de fato uma capital. E era isso que o presidente queria. Um projeto inovador, condizente com seus planos para o futuro do país. O traçado urbano em formato de cruz ou de avião como muitos mencionam hoje, tinha uma divisão muito clara. O chamado Eixo Monumental foi previsto para abrigar os prédios do poder público, enquanto o eixo transversal foi previsto para abrigar as residências. Parece lógico e na verdade é. Certamente o projeto estava totalmente alinhado com as ideias políticas mais modernas da época e claro, atingiu em cheio seu objetivo, rumo à interiorização do Brasil e ainda fez as pessoas sonharem com um futuro realmente próspero.
Mas a divisão entre os dois eixos pareceu ditar regras que transcendem os espaços físicos projetados. A mudança da capital para Brasília era na verdade uma grande oportunidade de dar um fim ao cancerígeno formato estadista do Rio de Janeiro. Mas o político médio brasileiro seguiu a lógica de acirrar ainda mais dois Brasis. Não o do interior e do litoral, mas sim o da plebe e da realeza, dos meros mortais e dos imunes, dos trabalhadores e dos mandatários, dos reis e dos escravos. Os dois eixos de Brasília além de funcionais, apontaram geograficamente os nossos contrastes: um sentido concentra o poder para os que mandam e no outro estão concentradas as suas regalias. Porém em um movimento centrífugo, em direção às margens e ao litoral encontramos duas centenas de milhões de servos gerando riqueza para a realeza viver numa das bolhas mais caras do mundo: o Distrito Federal.
Entretanto, não há nenhuma relação entre a prosperidade da terra prometida e o desempenho do PIB, por exemplo. De 1960 pra cá o Brasil não registra avanços significativos nos indicadores sociais, pelo contrário, aparecendo nas piores colocações a nível mundial. Se alinhamento de eixo de cidade indicasse o caminho para riqueza, certamente o Lúcio Costa utilizaria o feng shui.
Uma outra curiosidade geoespacial é sobre o suposto equilíbrio na Praça dos Três Poderes. Em uma representação geométrica perfeita, o triângulo foi a figura mais indicada para representar esse balanceamento, mas a pergunta que surge é: Se os três poderes estão nas pontas do triângulo, então onde está o povo? Nesse desenho, estaria enclausurado no cercadinho de Brasília. Mas não se engane pois este, apesar de não ser um cercado físico, limita e muito a sua liberdade.
Hoje o Brasil corresponde a reverberação daquela Brasília. Assim como um prédio velho que precisa de reformas urgentes, é muito custoso ao morador e pior, oferece péssimos serviços em troca. Os canos da administração pública estão superdimensionados, ou seja, escoa muito mais dinheiro do que deveria. Não há eficiência. As fiações que conduzem a energia do trabalho das pessoas aos cofres públicos estão com uma sobrecarga tributária na casa dos 33,9%, podendo entrar em curto circuito a qualquer momento. Apesar disso, o pagador de impostos segue nas filas de hospitais, de pontos de ônibus, para visitar os parentes no presídio e sem a liberdade de gozar dos próprios direitos naturais e civis. Com todos esses gargalos, o motor da geração de emprego e renda não consegue funcionar e aquele sonho de sermos um país sério, de primeiro mundo, campeão mundial em dignidade e bem estar, desce pelo ralo.
Não podemos culpar os prédios pelo baixo desempenho do Brasil. Mas onde estão os problemas? Quais os gargalos que impedem a nossa economia de decolar? Devemos culpar os políticos? Sim, bastante e em primeiro lugar. Mas não é só isso. Muitos brasileiros ainda acreditam que o modelo estatal é o mais adequado para o progresso do país. Muitos acreditam que a melhor relação com o Estado é a de mãe e filho. Ainda não entendemos que não existe almoço grátis.
De 1960 pra cá, a monumental Brasília tem custado muito mais aos brasileiros, do que de fato tem servido a eles. A cidade está mais para um palco de teatro do que para um centro administrativo. Em outras palavras, pagamos por uma Ferrari e recebemos um Fusca velho. A renda per capita de Brasília é 33% maior que a de São Paulo e a maior do país disparada. Só que Brasília praticamente não produz em comparação com a maior cidade de todas. Esse retrato demonstra claramente uma cena bizarra.
A capital, ou seja, o cérebro do país foi afastado em gênero, número e grau do seu corpo. Podemos ver hoje no Brasil a imagem de um espantalho. No chão, padece um corpo marcado pela aridez do trabalho duro e lá no alto, espetado num pedaço de pau, está a cabeça, imune às intempéries da vida cotidiana do país e resplandecente debaixo do sol dourado, que um dia iluminou os pensamentos do idealizador daquilo que deveria ser uma ode à democracia.
Além da incompetência generalizada do Congresso e dos desvios de conduta dos nossos representantes, além da mentalidade estadista impulsionada pelo espectro da esquerda, ainda sofremos com outro efeito tão devastador quanto os anteriores: a necessidade de reformas sérias. Aquele prédio velho precisa ser reestruturado. A boa notícia é que não precisaremos gastar rios de dinheiro para construir ou reformar nem um único metro quadrado sequer. As áreas mais afetadas com a mania de grandeza de Brasília não são espaços físicos. Chegou a hora da capital ter uma nova fase de modernização. E o poder para isso está na ponta dos dedos dos brasileiros. Temos que reformar os políticos.
Será necessária a aplicação de verdadeiras engenharias reformistas para alcançarmos o século XXI com suas demandas incompatíveis com o atual formato das leis. A citar dois bons remédios para essa grande distorção da realidade: a reforma administrativa e a reforma política.
O Brasil tem um dos funcionalismos públicos mais caros do planeta Terra. O redondo mesmo. Não faltou recurso para o bom trabalho ser feito. Pelo contrário, regalias e benefícios quase infinitos acabaram distorcendo a realidade do dia a dia do trabalho do político brasileiro, onde as solas de sapato são gastas nos corredores polidos dos palácios estacionados no planalto. Esse descolamento da realidade retorna para o povo nitidamente em um escrutínio de ingratidão.
Aqui um deputado federal tem auxílio moradia com apartamento funcional e cerca de 30 mil reais disponíveis para a mudança, motorista particular, carro oficial à disposição, auxílio paletó, sem contar as verbas vultosas liberadas para o gabinete e incontáveis outras regalias dignas de reis. De acordo com a BBC News, na Suécia o político equivalente tem direito a um gabinete de 7 metros quadrados, não tem nenhum assessor e pega fila para comer no bandejão. Vale lembrar que a Suécia é um dos melhores países para se viver no mundo, com altas taxas de educação e baixíssimas taxas de criminalidade.
A dura verdade é que centralizar o poder custa caro. Nós construímos uma cidade inteira para administrar um país. Isso quer dizer claramente que estamos concentrando o poder em um lugar específico sob dentre outros, o pretexto de desenvolver a nação. E isso não é somente na arquitetura. A nossa parafernália legal e consequentemente o modelo de gestão do país são pensados para que grupos de burocratas nichados por interesse ditem as regras para milhões de pessoas completamente alheias à forma como a máquina opera.
Os prédios modernistas, os grandes eixos de circulação da cidade, a austeridade que desafiava o planalto central e que rasgava o céu de um azul exuberante, tudo isso transmitia a mensagem de que o Brasil era de fato um gigante. O equívoco está no que foi engrandecido e exaltado. A pátria amada é gentil com os seus mandatários e claro, não foi o povo que foi beneficiado com a terra dourada.
Precisamos passar o rodo e enxugar a máquina pública. A maior fatia de gastos do governo federal está na folha de pagamento de pessoal, hoje em cerca de 13% do PIB. Se tivéssemos índices de desenvolvimento humano promissores e proporcionados pela qualidade do serviço público, talvez essa discussão fosse realmente desnecessária, mas obviamente o cenário não é esse.
E aqui surge um questionamento muito óbvio para ser ignorado. Por que servidores públicos ganham em média quase o dobro do que um cargo similar no setor privado? São inúmeras e grandes as aberrações que remontam ao período oligárquico. Férias de 60 dias para um judiciário que se arrasta na velocidade de uma lesma, 3 meses de licença prêmio para cada 5 anos supostamente trabalhados, estabilidade, mesmo que não haja produtividade nem resultado, entre outras distorções que deitam e rolam no bolso do pagador de impostos. O que essas pessoas têm de especial? Seriam anjos enviados de Deus? Por que o serviço público no Brasil está mais para ser servido do que para servir?
A resposta é: não importa. Brasília já está construída e a reforma administrativa encontra-se parada desde setembro de 2021 minguando os poucos nutrientes que resistiram aos ataques dos sanguessugas engravatados. Infelizmente a maioria dos congressistas ainda estão na política para fazer carreira própria e não para deixar legado. Basta olhar para a última versão do texto e fica evidente que está mais para uma maquiagem do que para uma cirurgia.
A lição que fica disso é que precisamos renovar o Congresso, votando em políticos que estejam comprometidos com uma agenda realmente focada no cidadão brasileiro. E é aí que entra outra obra de dar dor de cabeça: a reforma política e o combate à corrupção.
Nem mesmo a pureza presente nas formas daquela arquitetura conseguiram comunicar que menos é mais. O projeto, apesar de arrojado, não inspirou as gerações de políticos que por ali passaram. Em 1960, a grandiosidade de Brasília já alarmava as escandalosas extravagâncias nos anos que se passariam após o corte do laço em abril daquele ano. Mas a paisagem era exuberante demais para que as pessoas se dessem conta do tamanho da conta que teriam que pagar.
Chega a revirar o estômago só de imaginar que as atividades diárias desempenhadas nos milhares de metros quadrados construídos em Brasília, na verdade resultam em catastróficas políticas públicas perpetuadas por gerações de burocratas egoístas e mesquinhos. O vislumbre de grandeza de Brasília é inversamente proporcional à pequenez dos políticos que a compõem.
Um dos papéis fundamentais da arquitetura é interpretar as necessidades do empreendimento e traduzi-las em espaços adequados para determinadas atividades. Mas as mentes brilhantes de Lúcio Costa, Niemeyer e equipe projetaram o ambiente perfeito para mentes criminosas atuarem com bastante liberdade, riqueza e proteção. É duro admitir isso, contudo sabemos que era impossível para os profissionais daquela época preverem que fatos surrealistas iriam compor o cenário de suas obras. Muito menos podemos culpá-los.
A reforma política possui um grau de complexidade maior para o entendimento e traz para o debate questões como distribuição do fundão eleitoral mais descarado do mundo, o fim ou não das coligações que pode chutar o balde para a ideologia, o fim do segundo mandato, constitucionalização das doações de empresas aos partidos e não aos candidatos, entre outros aspectos que estão mais ligados ao processo eleitoral do que ao curso político em si. E isso não é bom.
O que se observa nesta segunda, não é muito diferente da primeira. Políticos indiferentes à realidade do povo e agindo em função do próprio umbigo subjugando toda uma nação. O debate até aborda questões essenciais sobre o tema, mas os critérios para as decisões são qualquer coisa, menos o bem estar da população e a manutenção e melhora do ambiente democrático.
Ao pôr do sol no Lago Paranoá, o que temos é o diagrama de uma política com instituições fracas, um Congresso decadente e ineficiente, um executivo medíocre sem capacidade de imprimir uma visão de futuro para o Brasil e um judiciário tão à frente do nosso tempo, que deveria atuar em Marte.
Mas nem tudo está perdido. A rampa do palácio do planalto não foi concebida para separar duas classes de brasileiros. Pelo contrário, ela foi pensada para unir todo o país. Em sua frente tem uma grande praça, o espaço urbano que democraticamente mais representa o povo. Há séculos. Infelizmente esta mesma praça tem sido palco de uma divisão criminosa, premeditada, tendo como combustível o populismo, que com toda a sua violência, incendeia os princípios da democracia.
O mau uso do espectro direita-esquerda, acabou gerando uma ruptura na capacidade de coesão do país. Assim como ocorre nos dois eixos do Plano Piloto, as duas linhas de pensamento fazem com que o Brasil ande mais para os lados do que decole para cima. É o mesmo povo lutando entre si para defender dois lados da mesma moeda, incapaz de compreender que a luta tem outro sentido e que mesmo nas diferenças, é possível encontrar um caminho para reerguermos o orgulho de sermos brasileiros. Afinal, independentemente da ideologia, certamente todos concordam nos fatores mais críticos da nossa realidade atual.
E é possível que o ponto de convergência esteja justamente aí. Uma política independente, pautada em uma agenda com prioridades claras, pode colocar o Brasil nos trilhos da prosperidade. Mas como fazer isso, se o país está dividido no meio? Hoje o horizonte apesar de turvo, mostra um caminho que pode trazer resultados mais rapidamente.
O populismo se utiliza de falácias para sustentar suas ideias, mas uma política técnica faz o dever de casa, à medida em que expõe seus argumentos com base em evidências fatídicas, nas leis da economia, em projetos que já funcionaram em outros países e também especialmente nas demandas específicas do povo. Existem outros recursos para otimizar o gasto do dinheiro dos impostos e podemos citar as diversas ferramentas como pesquisas quantitativas e qualitativas, audiências públicas, análise de dados, incluindo os do IBGE e Censo, sem contar com a vasta disposição de tecnologias da informação prontas para acelerarem os resultados para o cidadão.
Mas nada disso funciona se não conseguirmos eleger pelo menos um terço dos congressistas comprometidos com as pautas prioritárias. Esse é o número necessário para promover as mudanças reais. O Palácio do Congresso Nacional possui duas cúpulas, sendo a maior delas “aberta” para cima, onde funciona a Câmara dos deputados, e a menor, que virada para baixo recebe o Plenário do Senado. E são nesses espaços que as regras do jogo são decididas.
Está na hora de pensarmos em uma Brasília mais inteligente. Os agentes da sociedade que ajudam a formar a opinião têm um papel fundamental na quebra do pensamento de que o presidente da república pode ser o responsável por salvar a pátria. Na prática isso não existe e o populismo se utiliza dessa mentira para regar seu jardim de espinhos cegos e cheios de ódio.
Portanto, se mostra muito valioso o combate a esse nível de desinformação, desconsiderando a questão da ideologia, já que todos têm o interesse em comum de eleger representantes fiéis ao propósito maior do país. Brasília tem tudo o que precisa para ser uma das capitais mais importantes do mundo e ainda conta com um povo trabalhador e que está preparado para fazer sua parte. Não há mais desculpas. A bandeira hasteada flameja por uma nação justa e próspera, onde a ordem e o progresso saem de sua estampa e podem ser sentidos na pele da sua gente.
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